A agenda ambiental não é mais um problema a longo prazo mas uma realidade que se impõe agora e por isso é chamada de emergência climática. É o que destaca do relatório "A dimensão de gênero no Big Push para a Sustentabilidade no Brasil: as mulheres no contexto da transformação social e ecológica da economia brasileira" lançado nesta terça-feira (30) pela ONU Mulheres Brasil, o escritório no Brasil da Comissão Econômica para a América Latina e o Caribe (CEPAL) e a representação no Brasil da Fundação Friedrich Ebert (FES).
A elaboração do relatório se fundamentou na revisão da literatura, no levantamento de dados e informações e na análise do quadro de políticas nacional, regional e internacional nas áreas de gênero, sustentabilidade e mudanças climáticas. O documento também é fruto de discussão em oficina virtual realizada em 23 de setembro de 2020, com a participação de especialistas e lideranças da sociedade civil, da academia, do setor privado e do poder público com experiência em temas ligados a gênero, meio ambiente, clima e desenvolvimento.
Ao mesmo tempo, o relatório se baseia em evidências, oferecendo subsídios para a formulação de políticas que promovam oportunidades de emprego e renda para as mulheres, consideradas na sua diversidade, e de melhoria da disponibilidade e da qualidade de serviços de cuidado, liberando o tempo das mulheres e contribuindo para sua autonomia econômica. O documento se insere na dimensão de gênero no contexto dos investimentos transformadores para a igualdade e a sustentabilidade no âmbito da abordagem do Big Push (Grande Impulso) para a Sustentabilidade.
As autoras do relatório são as pesquisadoras Margarita Olivera (Universidade Federal do Rio de Janeiro/UFRJ), Maria Gabriela Podcameni (Instituto Federal do Rio de Janeiro), Maria Cecília Lustosa (UFRJ e Rede de Pesquisa em Sistemas Produtivos e Inovativos Locais do Instituto de Economia (Redesist/UFRJ), e Letícia Graça (Núcleo de Estudos e Pesquisas de Economia e Feminismos do Instituto de Economia da Universidade Federal do Rio de Janeiro (NuEFem/IE/UFRJ). O documento contou com a coordenação de Camila Gramkow, oficial de Assuntos Econômicos do Escritório no Brasil da CEPAL.
"O relatório foi fruto de um esforço coletivo, das organizações e pesquisadoras, e das contribuições de diversas pessoas. O tema não se esgota nesse documento, é preciso construir uma agenda de debates e estudos a partir de uma perspectiva da interseccionalidade dos direitos humanos das mulheres, nos seus mais diversos contextos e realidades, no âmbito do enfrentamento às mudanças climáticas", explicou a representante da ONU Mulheres no Brasil, Anastasia Divinskaya.
De acordo com a diretora de programas da Fundação Friedrich Ebert Brasil, Waldeli Melleiro, os eventos extremos como a pandemia e as mudanças climáticas aprofundam as já existentes desigualdades raciais e de gênero. "Para alterar essa inserção desigual e promover uma transformação social, é necessário a adoção de políticas e investimentos com foco explícito nas mulheres nos diversos setores: em infraestrutura, no trabalho, nos empregos verdes, na saúde e na organização social do trabalho de cuidados. Adotar a transversalidade de gênero é urgente e essencial e, para a Fundação Friedrich Ebert, a democracia só é possível se houver justiça de gênero", ressaltou.
Big Push – A CEPAL desenvolveu uma abordagem para apoiar os países da região na construção de estilos de desenvolvimento mais sustentáveis, chamada "Big Push (ou Grande Impulso) para Sustentabilidade". Trata-se de uma abordagem baseada na coordenação de políticas para promover investimentos sustentáveis, que produzam um novo ciclo de crescimento econômico, gerando empregos e renda, contribuindo para a recuperação da economia, e diminuindo desigualdades enquanto reduz a poluição e mantém e regenera a base de recursos naturais do qual o desenvolvimento depende.
No Brasil, a CEPAL vem trabalhando em parceria com órgãos públicos brasileiros, instituições de pesquisa e atores da sociedade civil para implementar a abordagem do Big Push para a Sustentabilidade por meio de colaborações, projetos e cooperações técnicas, em temas ligados à inovação e energias sustentáveis, patentes verdes, empregos, gênero e mobilidade sustentável e estudos de casos de investimentos sustentáveis.
Destaques do relatório:
- A carência de ações efetivas frente à emergência climática impacta desproporcionalmente as mulheres, meninas e corpos feminizados, porque elas partem de uma situação de profundas desigualdades estruturais. Muitas mulheres já estão no seu limite físico, psicológico e emocional. E contam com menos ferramentas e rendas para enfrentar os impactos das mudanças climáticas.
- As mulheres já constituem, hoje, um grupo maior em situação de vulnerabilidade em relação aos homens (em termos de pobreza monetária, pobreza de tempo, sobrecarga de trabalho não remunerado e de cuidados e inserção precária no mercado de trabalho ).
- As mulheres dedicam praticamente o dobro de tempo (em média 21,4 horas de trabalho por semana) em relação aos homens (que dedicam 11 horas semanais) para tarefas domésticas e/ou de cuidado.
- As mulheres recebem em média um salário 21,3% inferior ao dos homens. As mulheres negras recebem um salário 55,6% inferior ao dos homens brancos; o que sublinha a interseccionalidade, ou seja, que existem desigualdades de gênero profundas e estruturais no Brasil, relacionadas de forma intrínseca com outras desigualdades, como as raciais e de classe.
- Mulheres negras, indígenas, quilombolas, periféricas, pobres e corpos feminizados que saem da norma são grupos especialmente expostos aos impactos da inação climática, o que sublinha o racismo ambiental.
- Neste contexto de profundas desigualdades estruturais, o aumento da frequência e da intensidade de eventos climáticos extremos (secas prolongadas, inundações, tempestades, deslizamentos de terra, picos de calor e de frio etc.) torna as mulheres mais expostas a adversidades que os homens.
- Mulheres em condições de maior vulnerabilidade socioeconômica tendem a contar com menos ferramentas e rendas para enfrentar os impactos da mudança climática (por exemplo, para mudar para uma residência em área menos suscetível a deslizamentos de terras ou a inundações), dadas as brechas de salário, empregos, acesso a bens e serviços públicos, representação e direitos.
- As mulheres também tendem a ter uma maior pobreza de tempo com a mudança climática, já que são elas que tendem a cuidar dos doentes, feridos, amputados e enlutados devido aos eventos extremos.
- Por outro lado, as mulheres podem ser beneficiárias dos investimentos sustentáveis em áreas estratégicas para uma recuperação transformadora com sustentabilidade ambiental e igualdade de gênero. Investimentos em áreas tais como energias renováveis, produção agrícola sustentável, mobilidade urbana sustentável, entre outros, podem criar oportunidades de emprego e renda para as mulheres, se combinados com políticas adequadas de inserção das mulheres, contribuindo com sua autonomia econômica. Além disso, investimentos em infraestrutura de cuidados podem não apenas preparar a sociedade para enfrentar os eventos climáticos extremos, mas também contribuir para liberar o tempo das mulheres, contribuindo para reduzir a pobreza de tempo.
Acesse o relatório completo aqui. Fonte: ONU Brasil
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