por Lauro Allan Almeida Duvoisin e Miguel Enrique Stédile
8 de dezembro de 2023
De Maceió a Essequibo e além
Olá, a pauta ambiental do Brasil afunda no pragmatismo, a briga toma conta da vizinhança e o centrão devora as boas intenções do governo.
.Rolê problemático. A ideia de que o mundo ruma para uma política coerente de blocos parece cada dia mais distante, o que se confirmou no último giro internacional de Lula. Nos países árabes, enquanto o presidente brasileiro ficou mais à vontade para expressar sua repulsa ao genocídio isralense na faixa de Gaza e flertar com a nata da elite pretroleira mundial, quem ficou em segundo plano foi a estrela da COP 28, a pauta ambiental. É que nem mesmo o governo acredita que o Brasil entrou na OPEP como observador só para convencer os maiores exportadores de petróleo a investir em combustível verde. E se o cartão de visitas ambiental brasileiro já estava desbotado, uma cidade afundando pelos efeitos da mineração não ajudou muito. Mas, num mundo regido pela realpolitik, Lula talvez tenha percebido que o pragmatismo é mais importante que o glamour e seguiu em frente numa atuação, no mínimo, ambígua. Na Europa, os desencontros foram outros. Apesar das discordâncias históricas entre Brasil e Alemanha, como em relação à guerra da Ucrânia e, atualmente, o conflito no Oriente Médio, a novidade foi o tom amistoso do encontro entre Lula e Olaf Scholz. Além da posição favorável ao Acordo Mercosul-União Europeia, que já se arrasta há 24 anos, foram firmados nove acordos de cooperação que totalizam R$ 550 milhões de investimentos na área ambiental. Em contraste, a França fez questão de deixar claro que, se depender dela, o acordo entre os blocos não sairá do papel. O problema é que Macron não está sozinho, pois a Argentina também resiste a uma relação duradoura com a União Europeia. Passando a régua, e trocando em miúdos, ninguém sabe bem qual foi o saldo exato do giro internacional de Lula. E, se lá fora nem tudo ia bem, de volta à casa as boas notícias da Cúpula do Mercosul, como a entrada da Bolívia no bloco e o estreitamento comercial com Cingapura, foram abafadas pelo conflito regional, agora entre Venezuela e Guiana.
.Não tá bom, mas não tá ruim. A expectativa para o fim do ano e dos primeiros doze meses do governo era chegar ao natal em clima de bonança. Mas falta ânimo para comemorar um crescimento de 0,1% no PIB no 3º trimestre e, com sorte, de 3% no ano. O que, ainda assim, pode ser visto como uma boa notícia, já que o mercado apostou que o país não cresceria sequer 1% em 2023. E, mesmo errando todas as previsões deste ano, a Faria Lima insiste em dizer que ano que vem será pior e que o remédio continua sendo apertar o cinto dos investimentos do Estado, mas deixar bem frouxo quando se trata da taxa de juros. Ao contrário do que pensa a turma que vive de especulação e parasitismo, o que garantiu o crescimento não foram as reformas, mas o aumento do trabalho formal, das exportações e da agricultura. Porém, fica o sinal de alerta de Luis Nassif, o ritmo de geração de empregos na agricultura tem sido sofrível, apesar da vida de regalias do agronegócio. Também não ajuda na comemoração o fato de que 60% dos brasileiros vivam com até um salário mínimo. Por outro lado, o fato de 16 milhões de pessoas terem saído da faixa de pobreza neste ano é um alento. Outro índice pouco animador é o desempenho brasileiro na educação, que continua baixo e sem mudanças, com menos de 50% dos estudantes dominando o básico de ciências e matemática.
.Ele só queria paz. O crescimento de tensões e divisões não é exclusividade do cenário internacional. Talvez seja necessário admitir que a vitória de Lula foi "de raspão" e que o fascismo continua bem vivo no Brasil e no mundo. Afinal, a polarização política se calcificou no país, afirmam Thomas Traumann e Felipe Nunes, e nem a condenação dos envolvidos nos atos antidemocráticos de 8 de janeiro, nem a reativação da economia ou a retomada das políticas sociais foram capazes de dissolvê-la. Até o líder do governo na Câmara admite que o que está faltando é elevar o tom da disputa política e ideológica. Porém, o problema é que as amarras no Congresso são tão fortes que cada pequena medida do governo demanda um esforço hercúleo, além de uma montanha de recursos para o centrão. A exemplo dos vetos de Lula que aguardam para serem analisados pela Câmara e que foram mais uma vez adiados por não haver acordo. Ao mesmo tempo, o centrão flerta o tempo todo com os inimigos do governo. A última peripécia de Arthur Lira foi colocar em pauta um projeto de decreto legislativo que pretendia retomar a liberalização das armas aprovada por Bolsonaro e que foi revogada por Lula logo no início de seu mandato. Esta seria uma evidente derrota para Flávio Dino às vésperas da sabatina no Senado sobre sua indicação ao STF. O governo conseguiu impedir a manobra, mas com placar apertado. O poder do centrão é tão grande, que nem o afundamento da cidade natal (Maceió) de seu comandante em chefe (Arthur Lira) conseguiu enfraquecê-lo. Nesse caso, a disputa entre os caciques locais em torno da abertura da CPI da Braskem poderia ser uma ótima oportunidade para o governo dar um chega-pra-lá em Arthur Lira e no poder das transnacionais. Mas o ano está acabando e o renovado espírito natalino entre Renan Calheiros e Arthur Lira pode deixar tudo como está.
.Ponto Final: nossas recomendações.
.A América Latina lidera oposição à Israel. Na Jacobin, o papel dos países latino-americanos na defesa da Palestina e contra o genocídio na faixa de Gaza.
.Essequibo: entenda as motivações político-eleitorais por trás da disputa territorial da Venezuela com a Guiana. No Brasil de Fato, especialistas comentam os fatores envolvidos no conflito atual.
.Cadê a utopia? N' A Terra é Redonda, Luiz Marques defende a bandeira do socialismo como alternativa à crise capitalista.
.Denúncia: Braskem não só cometeu crimes ambientais, como cooptou órgãos em Alagoas. No GGN, do Ministério Público à Prefeitura, a cadeia de omissões do Estado nos crimes da Braskem em Alagoas.
.Lobby na comida. Pesquisa do Fiquem Sabendo demonstra o poder da indústria alimentícia no Congresso e na discussão da reforma tributária.
.10 anos da morte de Nelson Mandela, ícone da luta contra o racismo. A Revista Fórum lembra a trajetória do símbolo da luta contra o Apartheid.
.A jornalista Patrícia Galvão, para muito além de Pagu. No Jornal da USP, o livro que recupera a face pouco conhecida de Patrícia Galvão como jornalista.
.MST lança jogo que ilustra a trajetória de 40 anos da luta por reforma agrária popular. O MST e a Expressão Popular lançam um jogo cooperativo para comemorar os 40 anos do movimento popular.
Ponto é editado por Lauro Allan Almeida Duvoisin e Miguel Enrique Stédile.
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