"O Senado Federal está a um passo de aprovar emenda constitucional que garante, a um punhado de carreiras privilegiadas do Estado brasileiro, aumentos automáticos de 5% a cada cinco anos de exercício da profissão.
São os chamados "quinqüênios" (mantenho o trema como protesto solitário contra sua desastrosa extinção, no malfadado "acordo" que só bagunçou o português escrito no Brasil), que favorecerão juízes, promotores, defensores públicos, advogados públicos e delegados da Polícia Federal.
Como contam os anos já passados, os mais antigos e os aposentados receberão imediatamente até 35% a mais.
Enquanto isso, o grosso do funcionalismo, que sofre com perdas salariais acumuladas da ordem dos 20%, precisa fazer greve para ver se consegue negociar com o governo.
É discutível se o mecanismo dos quinqüênios é razoável – se devemos mesmo conceder aumentos só por tempo de serviço, sem qualquer avaliação de desempenho.
É discutível também se a nova regra não duplica benefícios, já que o tempo de serviço é de alguma maneira incorporado nas progressões funcionais existentes.
Só uma coisa é certa, indubitável, indiscutível: não tem sentido gerar regras que beneficiam ainda mais os setores já privilegiados do funcionalismo público.
O que é necessário é o contrário – é buscar maneiras de reduzir as desigualdades injustificáveis entre as carreiras.
O que explica que um professor universitário, com doutorado e com dedicação exclusiva, entre ganhando 69,9% menos que um consultor do Senado só com a graduação?
Na verdade, tem outra coisa que também é certa, indubitável, indiscutível: é absurdo que a farra dos quinqüênios para juízes, promotores e delegados da PF tome a forma de uma emenda constitucional.
Independentemente do mérito, é obviamente um tema para legislação infraconstitucional.
É o Congresso tentando aproveitar uma maioria circunstancial para engessar os governos futuros.
Sim, bolsonaristas e Centrão gostam de bater de frente contra o Supremo. Mas não deixam de garantir a simpatia do aparelho repressivo – quem sabe quando ela será necessária? - satisfazendo seus interesses corporativos.
Rodrigo Pacheco lidera a boiada. O senador mineiro é daqueles a quem não se pode acusar de jamais ter dado uma contribuição a qualquer debate relevante para o país.
Mas é um esperto – e essa é hoje a qualidade mais importante para alguém se dar bem na política brasileira. Um aceno ao punitivismo penal mais primitivo num dia, um prêmio para o corporativismo dos juízes no outro, e assim ele vai de vento em popa.
Leio no jornal que o governo entrou em campo para convencer Pacheco a sustar a PEC. Pode ser que dê certo, pode ser que não. Só tenho certeza de uma coisa: vai custar caro." (LFM, 19/04/2024)
Nenhum comentário:
Postar um comentário