segunda-feira, 6 de março de 2023

O trabalho escravo revela uma face sombria do Brasil

Em 22 de fevereiro, uma operação da Secretaria de Inspeção do Trabalho do Ministério do Trabalho e Emprego (MTE), Ministério Público do Trabalho (MPT-RS), Polícia Federal (PF) e Polícia Rodoviária Federal resgatou 207 trabalhadores em situação análoga à escravidão na colheita da uva em Bento Gonçalves, interior do Rio Grande do Sul. O fato em si e a repercussão que causou trouxeram à tona retratos de parte de um país que ainda carrega uma forte herança escravocrata e que não consegue refletir sobre sua história e sua realidade.


Chamou a atenção, por exemplo, a lamentável nota do Centro da Indústria, Comércio e Serviços (CIC) de Bento Gonçalves, que tentou desviar das empresas a responsabilidade pela contratação de pessoas em situação degradante, buscando atribuir culpa ao que chamou de  "assistencialismo".  Quem resumiu a nota de forma precisa foi a historiadora e pesquisadora Denise De Sordi.


"A situação toda é absurda. Essa associação entre 'sistema assistencialista', 'que não contribui para a sociedade' e que 'isso gera falta de mão de obra' é um absurdo, um completo descolamento da realidade do Brasil, da realidade das condições de trabalho que são enfrentadas pelos trabalhadores todos os dias"", disse. Confira aqui.


Mas a reação não parou por aí. Em um discurso aberrante, o vereador Sandro Fantinel, de Caxias do Sul (RS), afirmou que os empresários não deveriam contratar "aquela gente lá de cima", porque "a única cultura que eles têm é viver na praia tocando tambor", sugerindo explorar trabalhadores argentinos. O diretório nacional do Patriota anunciou a expulsão do parlamentar na quarta-feira (1º).


E quem denuncia os crimes cometidos contra os trabalhadores também enfrenta consequências. A presidenta do Sindicato dos Servidores Públicos Municipais de Joinville e Região (Sinsej), Jane Becker, foi ameaçada de morte na quinta-feira (2), dois dias após o sindicato denunciar condições de trabalho análogas à escravidão em uma obra da prefeitura catarinense. A denúncia foi publicada no jornal Folha Metropolitana, na terça-feira (18), e o repórter Leandro Schmitz foi demitido após a publicação. Leia a história completa.

 

Descaso com a fiscalização


É importante frisar que a operação na colheita de uva do interior gaúcho foi possível mesmo com o sucateamento das condições de trabalho dos responsáveis pela fiscalização. O auditor fiscal do trabalho Maurício Krepsky contou ao Brasil de Fato os reflexos desse descaso, que talvez seja proposital...


"Um grande problema que já vem se arrastando há muito tempo é a falta de concurso público para o cargo. Isso torna a atuação do combate ao trabalho escravo um desafio cada vez maior, porque com o passar do tempo, os auditores vão se aposentando e não temos a reposição esperada", disse. Veja a análise.


Outro fato que marcou a semana se relaciona aos 32 trabalhadores resgatados em condições análogas à escravidão em um canavial da zona rural de Pirangi, no interior paulista, no final de janeiro. Segundo as inspeções realizadas pelo Grupo Especial de Fiscalização Móvel, da Subsecretaria de Inspeção do Trabalho (SIT), os trabalhadores foram aliciados por representantes de uma empresa que presta serviços de capina e replante de mudas para uma fazenda que é fornecedora de uma gigante do ramo açucareiro, a Colombo Agroindústria, que produz o açúcar refinado CaravelasConfira a história toda.

 

A expropriação de terras onde se explora o trabalho escravo


O coordenador nacional do MST, João Paulo Rodrigues, observou, em entrevista ao Brasil de Fato, que o caso ocorrido no Rio Grande do Sul não é isolado. "Se pegar e fiscalizar o agro brasileiro, vai achar diversas áreas muito parecidas com a que foi encontrada na vinícola agora", aponta. Ele lembra ainda que é preciso efetivar punições já previstas na legislação em episódios como este. "O que manda a Constituição é que essas áreas que tiveram trabalho escravo deveriam ser destinadas para a reforma agrária, e não só ter uma multa. A lei diz isso."


Na avaliação do dirigente, além de combater o trabalho em condições análogas à escravidão, é preciso estar atento a outros fatores. "As condições em geral do trabalhador do campo são muito precárias. E o que nos preocupa é a invisibilidade do trabalho precário no campo em todo o país, com uma média salarial muito baixa e poucos direitos."
A entrevista na íntegra aqui.

 

Vinho sem trabalho escravo


Há diversas iniciativas hoje no Brasil que respeitam não só os princípios agroecológicos como também não fazem uso da exploração degradante de diversos gigantes do agronegócio. 


É o caso do Sítio Rosa do Vale, uma propriedade rural voltada, em especial, para a produção de uvas que dão origem a sucos e vinhos. O local também está sendo organizado para se tornar um ponto turístico direcionado para a cultura do vinho, o turismo e o afroturismo. Saiba mais.

 

E uma boa notícia...


Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST) anunciou nesta semana o retorno da Feira Nacional da Reforma Agrária, ao Parque da Água Branca, em São Paulo. O evento está programado para acontecer entre 10 e 14 de maio. Mais informações e um pouco da história da feira aqui.
 

Boa leitura, 

Glauco Faria

Editor chefe do Brasil de Fato


Preguiça Baiana dá doutorado a uma paulista

(por Girimias Dourado)

`"Preguiça baiana" é faceta do racismo. A famosa "malemolência" ou preguiça baiana, na verdade, não passa de racismo, segundo concluiu uma tese de doutorado defendida na USP. A pesquisa que resultou nessa tese durou quatro anos.`

`A tese, defendida no início de setembro pela professora de antropologia Elisete Zanlorenzi, da PUC-Campinas, sustenta que o baiano é muitas vezes mais eficiente que o trabalhador das outras regiões do Brasil e contesta a visão de que o morador da Bahia vive em clima de "festa eterna".`

`Pelo contrário, é justamente no período de festas que o baiano mais trabalha. Como 51% da mão-de-obra da população atua no mercado informal, as festas são uma oportunidade de trabalho. "Quem se diverte é o turista", diz a antropóloga.`

`O objetivo da tese foi descobrir como a imagem da preguiça baiana surgiu e se consolidou. Elisete concluiu, após quatro anos de pesquisas históricas,que a imagem da preguiça derivou do discurso discriminatório contra os negros e mestiços, que são cerca de 79% da população da Bahia.`

`O estudo mostra que a elevada porcentagem de negros e mestiços não é uma coincidência. A atribuição da preguiça aos baianos tem um teor racista.`

`A imagem de povo preguiçoso se enraizou no próprio Estado, por meio da elite portuguesa, que consideravam os escravos indolentes e preguiçosos, devido às suas expressões faciais de desgosto e a lentidão na execução do serviço (como trabalhar bem-humorado em regime de escravidão????).`

`Depois, se espalhou de forma acentuada no Sul e Sudeste a partir das migrações da década de 40. Todos os que chegavam do Nordeste viraram baianos. Chamá-los de preguiçosos foi a forma de defesa encontrada para denegrir a imagem dos trabalhadores nordestinos (muito mais paraibanos do que propriamente baianos), taxando- os como desqualificados, estabelecendo fronteiras simbólicas entre dois mundos como forma de "proteção" dos seus empregos.`

`Elisete afirma que os próprios artistas da Bahia, como Dorival Caymmi, Caetano Veloso e Gilberto Gil, têm responsabilidade na popularização da imagem. "Eles desenvolveram esse discurso para marcar um diferencial nas cidades industrializadas e urbanas. A preguiça, aí, aparece como uma especiaria que a Bahia oferece para o Brasil", diz Elisete. Até Caetano se contradiz quando vende uma imagem e diz: "A fama não corresponde à realidade. Eu trabalho muito e vejo pessoas trabalhando na Bahia como em qualquer lugar do mundo".`

`Segundo a tese, a preguiça foi apropriada por outro segmento: a indústria do turismo, que incorporou a imagem para vender uma idéia de lazer permanente "Só que Salvador é uma das principais capitais industriais do país, com um ritmo tão urbano quanto o das demais cidades."`

`O maior pólo petroquímico do país está na Bahia, assim como o maior pólo industrial do norte e nordeste, crescendo de forma tão acelerada que, em cerca de 10 anos será o maior pólo industrial na américa latina.`

`Para tirar as conclusões acerca da origem do termo "preguiça baiana", a antropóloga pesquisou em jornais de 1949 até 1985 e estudou o comportamento dos trabalhadores em empresas. O estudo comprovou que o calendário das festas não interfere no comparecimento ao trabalho. O feriado de carnavaal na Bahia coincide com o do resto do país. Os recessos de final de ano também.`

`A única diferença é no São João (dia 24 /06), que é feriado em todo o norte e nordeste (e não só na Bahia).`

`Em fevereiro (Carnaval), uma empresa, com sede no Pólo Petroquímico da Bahia, teve mais faltas na filial de São Paulo que na matriz baiana (sendo que o n° de funcionários na matriz é 50% maior do que na filial citada). Outro exemplo: a Xerox do Nordeste, que fica na Bahia, ganhou os dois prêmios de qualidade no trabalho dados pela Câmara Americana de Comércio (e foi a única do Brasil).`

`Pesquisas demonstram que é no Rio de Janeiro que existem mais dos chamados "desocupados" (pessoas em faixa etária superior a 21 anos que transitam por shoppings, praias, ambientes de lazer e principalmente bares de bairros durante os dias da semana entre 9 e 18h), considerando levantamento feito em todos os estados brasileiros. A Bahia aparece em 13° lugar.`

`Acredita-se hoje (e ainda por mais uns 5 a 7 anos) que a Bahia é o melhor lugar para investimento industrial e turístico da América Latina, devido a fatores como incentivos fiscais, recursos naturais e campo para o mercado ainda não saturado. O investimento industrial e turístico tem atraído muitos recursos para o estado e inflado a economia, sobretudo de Salvador, o que tem feito inflar também o mercado financeiro (bancos, financeiras e empresas prestadoras de serviços como escritórios de advocacia, empresas de auditoria, administradoras e lojas do terceiro setor).`

`Faça o favor de encaminhar este artigo ao maior número possível de pessoas. Para que, desta forma, possamos acabar com este estereótipo de que o baiano é preguiçoso. Muito pelo contrário, somos dinâmicos e criativos. A diferença consiste na alegria de viver, e por isso, sempre encontramos animação para sair, depois do expediente ou da aula, para nos divertir com os amigos.`

`FOTO AUTORIA - Catia Oliveira`
`Texto : Girimias Dourado`