terça-feira, 29 de outubro de 2024

CIDH e ONU Direitos Humanos condenam a violência contra os povos indígenas no Brasil e instam o Estado a proteger seus direitos territoriais


Comunicado conjunto da Comissão Interamericana de Direitos Humanos (CIDH) e do Escritório do Alto Comissariado das Nações Unidas para os Direitos Humanos (ONU Direitos Humanos) na América do Sul sobre a situação dos povos indígenas no Brasil. 

São necessárias medidas urgentes para enfrentar as consequências da pandemia entre os povos indígenas, segundo a OIT. Foto: PNUD/Tiago Zenero
Legenda: Foto: PNUD/Tiago Zenero

A Comissão Interamericana de Direitos Humanos (CIDH) e o Escritório do Alto Comissariado das Nações Unidas para os Direitos Humanos (ONU Direitos Humanos) na América do Sul expressam profunda preocupação com o aumento da violência contra os povos indígenas no Brasil, em meio aos seus esforços para defender os direitos territoriais, particularmente nos estados da Bahia, Paraná e Mato Grosso do Sul.

Nos últimos meses, comunidades indígenas foram alvo de ataques violentos, incluindo agressões de atores privados e forças policiais, resultando em deslocamentos forçados e na morte trágica de vários membros que defendiam suas terras. Entre as vítimas, estavam lideranças do povo Pataxó Hã-Hã-Hãe, Lucas Santos de Oliveira, morto em dezembro de 2023; e Maria de Fátima Muniz de Andrade, conhecida como Nega Pataxó, assassinada em janeiro deste ano. Em 18 de setembro, Neri Ramos da Silva, um jovem indígena do povo Guarani Kaiowá, foi morto enquanto tentava recuperar terras demarcadas para sua comunidade, ainda contestadas por interesses privados.

Essa onda de violência é agravada pelo lento progresso na demarcação das terras indígenas e pela contínua insegurança jurídica. A situação se deteriorou desde a aprovação da Lei nº 14.701 pela Câmara dos Deputados, em outubro de 2023. Essa lei adota a tese do "Marco Temporal", que restringe as reivindicações territoriais indígenas às terras ocupadas antes da promulgação da Constituição Federal em 1988. A legislação foi aprovada apesar do veto do Poder Executivo e de uma decisão anterior do Supremo Tribunal Federal (STF), que declarou essa tese inconstitucional. Uma decisão final do STF sobre a constitucionalidade da lei ainda está pendente.

A CIDH e a ONU Direitos Humanos ressaltam que, de acordo com os padrões interamericanos e universais de direitos humanos, os povos indígenas têm direito a uma proteção especial de sua integridade física, psicológica e cultural, permitindo-lhes viver livres de violência, discriminação e exploração. Esse direito abrange a salvaguarda de sua cultura, território e o direito à autodeterminação, essenciais para sua identidade e seu bem-estar. Nesse sentido, o Brasil deve adotar medidas imediatas e eficazes para prevenir, investigar e sancionar ações que ameacem a vida e a integridade dos povos indígenas, sejam elas perpetradas por terceiros ou por agentes do Estado. Além disso, deve implementar medidas de proteção para as comunidades indígenas que enfrentam ameaças iminentes.

Por fim, a Comissão e a ONU Direitos Humanos destacam a profunda conexão dos povos indígenas com seus territórios e recordam ao Estado brasileiro o dever de proteger o direito à propriedade coletiva, conforme afirmado na Declaração Americana sobre os Direitos dos Povos Indígenas. Nesse contexto, instam o Brasil a tomar medidas imediatas para garantir a demarcação e titulação das terras indígenas, assegurando seu direito à propriedade coletiva sem invocar a tese do Marco Temporal.

O Escritório de Direitos Humanos da ONU, de acordo com o mandato conferido pela Assembleia Geral em sua resolução 48/141, promove e protege o gozo e a plena realização, para todas as pessoas, de todos os direitos consagrados na Carta das Nações Unidas e nas leis e tratados internacionais de direitos humanos.

A CIDH é um órgão principal e autônomo da Organização dos Estados Americanos (OEA), com um mandato estabelecido pela Carta da OEA e pela Convenção Americana sobre Direitos Humanos. A Comissão tem a tarefa de promover a observância e a defesa dos direitos humanos em toda a região e atua como órgão consultivo da OEA neste campo. A CIDH é composta por sete membros independentes, eleitos pela Assembleia Geral da OEA, que atuam a título pessoal e não como representantes de seus países de origem ou residência.




ARTIGO: A ONU é tão boa quanto seus Estados-membros


"Quando a situação se deteriora a ponto de ficar insustentável, é a organização que permanece no terreno, salvando vidas," afirma a coordenadora-residente da ONU no Brasil, Silvia Rucks, em artigo publicado em 24 de outubro em O Globo, em razão do aniversário de 79 anos da ONU


Conselho de Segurança se reúne, em 21 de outubro de 2024, para antecipar o impacto dos desenvolvimentos científicos sobre a paz e a segurança internacionais. Crédito: ONU/Eskinder Debebe.

Legenda: "É hora de repensar a ONU, e estamos dispostos a ter essa conversa, pois acreditamos que um sistema multilateral reformulado e revigorado é fundamental para que possamos enfrentar os grandes problemas de nosso tempo," afirma a representante do secretário-geral da ONU no Brasil, Silvia Ruck, em artigo publicado nesta quinta (24/10) em O Globo. Foto: Conselho de Segurança se reúne, em 21 de outubro de 2024, para antecipar o impacto dos desenvolvimentos científicos sobre a paz e a segurança internacionais.
Foto: © ONU/Eskinder Debebe.

Por Silvia Rucks*, em artigo publicado em O Globo 24 de outubro de 2024

A Organização das Nações Unidas ainda serve para alguma coisa? Hoje a ONU completa 79 anos e, à medida que nos aproximamos do 80º aniversário de fundação da organização, que reúne 193 países, esse questionamento torna-se cada vez mais frequente.

E, devo admitir, é uma pergunta pertinente. Podemos testemunhar quase diariamente o agravamento da crise climática, que causa pânico e calamidade por todo o mundo — com impacto desproporcional na população que já vive em contextos de maior vulnerabilidade.

Assistimos assustados à escalada de conflitos, que destroem cidades inteiras, ceifam vidas, desrespeitam os princípios mais básicos de humanidade e parecem não ter fim. A população de deslocados só aumenta, e o acesso a uma vida digna fica mais distante da realidade de parcela expressiva da população global, especialmente os 733 milhões que convivem com a fome.

Enquanto isso, vemos patinar a implementação dos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável, traçados e adotados pelos Estados-membros da ONU justamente para que o mundo se encaminhasse a um futuro mais próspero e igualitário. Em meio a esse cenário tão desolador, as pessoas querem saber: o que a ONU faz para consertar o mundo?

Quando a situação se deteriora a ponto de ficar insustentável, é a ONU que permanece no terreno, salvando vidas. Só no ano passado, provemos ajuda humanitária a 245 milhões de pessoas — mais que as populações de Brasil, Chile, Paraguai e Uruguai combinadas — e, para isso, mobilizamos US$ 23 bilhões. Fornecemos serviços de saúde a 15 milhões fugindo da guerra, da fome e da perseguição em 77 países. Apoiamos a segurança alimentar e o acesso a alimentos de 152 milhões. Vacinamos 133 milhões de crianças. Restauramos e protegemos 178 milhões de hectares em 56 países.

Trabalhamos em todas as áreas humanitárias e de desenvolvimento. Apoiamos a igualdade de gênero, o fortalecimento das economias e o acesso a emprego e renda. Garantimos água e saneamento a milhões de pessoas, defendemos os direitos humanos e trabalhamos com todos os países para enfrentarmos a crise climática. A questão não é o que fazemos, porque sabemos que fazemos muito. A questão é o que ainda podemos e devemos realizar para que o mundo volte a vislumbrar um futuro de esperança.

É hora de repensar a ONU, e estamos dispostos a ter essa conversa, pois acreditamos que um sistema multilateral reformulado e revigorado é fundamental para que possamos enfrentar os grandes problemas de nosso tempo. 

No mês passado, na Cúpula do Futuro, os Estados-membros aprovaram o compromisso mais firme em décadas para adequar a ONU a esses desafios.

Esse novo Pacto para o Futuro estabelece uma visão clara de um sistema internacional que pode cumprir suas promessas, é mais representativo do mundo atual e aproveita a experiência dos governos, das empresas e da sociedade civil. Além do aprimoramento da governança global, o pacto abrange uma ampla gama de questões, inclusive ações inéditas na área da transformação digital e inteligência artificial, reafirmando o papel de moderação da ONU, que nenhum outro ator tem a mesma capacidade de exercer.

Para que esse pacto faça a transição de palavras bonitas para ações efetivas na vida real, necessitamos dos nossos Estados-membros. São os países que devem liderá-la, são eles que precisam implementar o que foi acordado na Cúpula do Futuro, a exemplo do que o Brasil tem feito desde a fundação da ONU em 1945 até a COP30 no ano que vem, passando por Rio 92, Rio+20 e os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável.

Nosso secretário-geral, António Guterres, já deixou claro que a ONU está pronta para desbravar esse novo caminho, trabalhando lado a lado com os países, porque a ONU é tão boa quanto seus Estados-membros.

*Silvia Rucks é Coordenadora Residente da ONU no Brasil.



Países precisam reduzir 42% das emissões de gases de efeito estufa para evitar aumento catastrófico da temperatura


Se não aprimorarmos as políticas atuais, o mundo chegará a um aumento catastrófico da temperatura de até 3,1°C, alerta o Relatório sobre a Lacuna de Emissões 2024, divulgado nesta quinta (24) pelo Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente (PNUMA). 

Ainda é tecnicamente possível atingir a meta estabelecida no Acordo de Paris de limitar o aquecimento global a 1,5°C, mas isso requer mobilização global liderada pelo G20 para reduzir todas as emissões de gases de efeito estufa, a partir de hoje. 

Os compromissos atuais para 2030 não estão sendo cumpridos, mas, mesmo que fossem todos atendidos, o aumento da temperatura seria de 2,6 a 2,8°C.

as emissões de gases de efeito estufa atingiram um recorde de 57,1 gigatoneladas de CO₂ equivalente em 2023.

Legenda: As emissões de gases de efeito estufa atingiram um recorde de 57,1 gigatoneladas de CO₂ equivalente em 2023. Foto: Áreas de pastagem derivadas de desmatamento ilegal na Floresta Nacional do Jamanxim, no Pará.
Foto: © Marcio Isensee e Sa/Getty Images.

As nações devem se comprometer coletivamente a reduzir 42% das emissões anuais de gases de efeito estufa até 2030 e 57% até 2035 na próxima rodada de Contribuições Nacionalmente Determinadas (NDCs) – e agir rapidamente – ou a meta de 1,5°C do Acordo de Paris desaparecerá dentro de alguns anos, diz um novo relatório do Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente (PNUMA).  

As NDCs atualizadas devem ser apresentadas no início do próximo ano, antes das negociações climáticas da COP30 no Brasil. Nesse cenário, o Relatório sobre a Lacuna de Emissões 2024 do PNUMA: Chega de ar quente ... Por favor! constata que a incapacidade de aumentar a ambição dessas novas NDCs e a falha em começar a cumpri-las imediatamente colocaria o mundo em uma trajetória de aumento de temperatura de 2,6 a 3,1°C ao longo deste século. Isso traria impactos devastadores para as pessoas, o planeta e as economias. 

O cenário de 2,6°C é baseado na implementação completa das atuais NDCs incondicionais e condicionais. A implementação apenas das NDCs incondicionais atuais levaria a 2,8°C de aquecimento. Continuar com as políticas atuais levaria a 3,1°C de aquecimento. Nesses cenários - que operam com uma probabilidade de mais de 66% -, as temperaturas continuariam a subir no próximo século. Acrescentar promessas líquidas zero adicionais à implementação total de NDCs incondicionais e condicionais poderia limitar o aquecimento global a 1,9°C, mas atualmente há pouca confiança na implementação dessas promessas líquidas zero. 

"A lacuna de emissões não é uma noção abstrata", disse o secretário-geral da ONU, António Guterres, em uma mensagem de vídeo sobre o relatório. "Há uma ligação direta entre o aumento das emissões e os desastres climáticos cada vez mais frequentes e intensos. Em todo o mundo, as pessoas estão pagando um preço terrível. Emissões recordes significam temperaturas marinhas recordes que potencializam furacões monstruosos; o calor recorde está transformando as florestas em barris de pólvora e as cidades em saunas; chuvas recordes estão resultando em inundações bíblicas.

"O Relatório sobre a Lacuna de Emissões de hoje é claro: estamos brincando com fogo, mas não podemos mais brincar com o tempo. Estamos sem tempo. Fechar a lacuna de emissões significa fechar a lacuna de ambição, a lacuna de implementação e a lacuna financeira. Começando na COP29".

O relatório também analisa o que seria necessário para entrar no caminho certo para limitar o aquecimento global a menos de 2°C. Para esse caminho, as emissões devem cair 28% até 2030 e 37% em relação aos níveis de 2019 até 2035 - o novo ano marco a ser incluído nos próximos NDCs. 

"Estamos num momento decisivo para a crise climática. Precisamos de uma mobilização global em escala e ritmo nunca antes vistos - começando agora mesmo, antes da próxima rodada de promessas climáticas - ou a meta de 1,5°C logo estará morta e 2°C ocupará seu lugar na unidade de terapia intensiva", disse a diretora-executiva do PNUMA, Inger Andersen. 

"Peço a todas as nações: chega de ar quente, por favor. Usem as próximas negociações da COP29 em Baku, no Azerbaijão, para intensificar a ação agora, preparar o terreno para NDCs mais robustas e, em seguida, fazer de tudo para entrar em uma trajetória de 1,5°C". 

"Mesmo que o mundo ultrapasse 1,5°C – e as chances de isso acontecer aumentam a cada dia – devemos continuar lutando por um mundo líquido zero, sustentável e próspero. Cada fração de grau evitada conta em termos de vidas salvas, economias protegidas, danos evitados, biodiversidade conservada e a capacidade de reduzir rapidamente qualquer excesso de temperatura", afirma. 

O relatório também analisa o que seria necessário para limitar o aquecimento global a menos de 2°C. Nesse cenário, as emissões precisariam cair 28% até 2030 e 37% até 2035 em relação aos níveis de 2019 – sendo este o novo ano de referência a ser incluído nas próximas NDCs.

O relatório destaca também as consequências do atraso em agir. Embora os cortes sejam calculados com base nos níveis de 2019, as emissões de gases de efeito estufa atingiram um recorde de 57,1 gigatoneladas de CO₂ equivalente em 2023. Isso pode parecer uma diferença marginal nos cortes totais necessários entre 2019 e 2030, mas o atraso na implementação das ações exige uma redução de 7,5% das emissões anuais até 2035 para atingir a meta de 1,5°C, e 4% para 2°C. Quanto maior o atraso, maiores serão os cortes anuais necessários.

1,5°C ainda é tecnicamente possível, mas somente com um grande esforço

O relatório mostra que, do ponto de vista técnico, há potencial para cortes de emissões em 2030 de até 31 gigatoneladas de CO2 equivalente (o que representa cerca de 52% das emissões em 2023) e 41 gigatoneladas em 2035. Isso preencheria a lacuna para 1,5°C em ambos os anos, a um custo abaixo de US$ 200 por tonelada de CO2 equivalente. 

O aumento da implantação de tecnologias solares fotovoltaicas e energia eólica pode fornecer 27% do potencial total de redução em 2030 e 38% em 2035. Medidas climáticas voltadas para as florestas podem gerar cerca de 20% do potencial em ambos os anos. Outras opções impactantes incluem medidas de eficiência, eletrificação e troca de combustível nos setores de edifícios, transporte e indústria.   

Esse potencial ilustra que é possível cumprir as metas da COP28 de triplicar a capacidade de energia renovável até 2030, dobrar a taxa média anual global de melhorias na eficiência energética até 2030, fazer a transição dos combustíveis fósseis e conservar, proteger e restaurar a natureza e os ecossistemas. 

No entanto, cumprir até mesmo parte desse potencial exigirá uma mobilização internacional sem precedentes e uma abordagem holística do governo, com foco em medidas que potencializem os benefícios socioeconômicos e ambientais e minimizem as repercussões negativas. 

Para chegar a emissões líquidas zero, será necessário um aumento mínimo de seis vezes no investimento em mitigação – sustentado pela reforma da arquitetura financeira global, forte ação do setor privado e cooperação internacional. O relatório mostra que isso é viável: o investimento incremental estimado para o net-zero é de US$ 0,9 a 2,1 trilhões por ano de 2021 a 2050 – investimentos que trariam retornos em custos evitados com mudanças climáticas, poluição do ar, danos à natureza e impactos na saúde humana. Para contextualizar, a economia global e os mercados financeiros valem US$ 110 trilhões por ano. 

Os membros do G20, responsáveis pela maior parte das emissões totais, devem fazer o trabalho pesado. No entanto, esse grupo ainda está fora da rota para atender até mesmo as atuais NDCs atuais. Os membros que mais emitem precisarão assumir a liderança, aumentando drasticamente a ação e a ambição agora e nas novas promessas. 

Os membros do G20, com exceção da União Africana, foram responsáveis por 77% das emissões em 2023. Ao incluir a União Africana como membro permanente do G20, fator  que mais do que dobra o número de países representados (de 44 para 99), a participação nas emissões sobe apenas 5%, para 82% – o que denota a necessidade de responsabilidades diferenciadas entre as nações. Um apoio internacional mais forte e um financiamento climático aprimorado serão essenciais para garantir que as metas climáticas e de desenvolvimento possam ser alcançadas de forma justa entre os membros do G20 e globalmente. 

Um bom design de NDC é crucial

O relatório também indica formas de garantir que as NDCs atualizadas sejam bem projetadas, específicas e transparentes para que possam atender a quaisquer novas metas implementadas. As NDCs devem incluir todos os gases listados no Protocolo de Kyoto, cobrir todos os setores, definir metas específicas, explicitar elementos condicionais e incondicionais e fornecer transparência sobre como sua atualização reflete uma parcela justa de esforços e a maior ambição possível no sentido de atingir 1,5°C. 

É crucial também que os países entrem nos detalhes de como os objetivos nacionais de desenvolvimento sustentável podem ser alcançados, bem como apresentem informações sobre os esforços para reduzir as emissões e sobre a inclusão de planos de implementação detalhados com mecanismos de revisão e responsabilização. Para as economias de mercados emergentes e em desenvolvimento, as NDCs devem incluir detalhes sobre o apoio e o financiamento internacional de que precisam. 

Leia o relatório completo (em inglês) na página global do PNUMA: https://www.unep.org/resources/emissions-gap-report-2024 

NOTAS AOS EDITORES 

Sobre o Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente (PNUMA) 

O PNUMA é a principal voz global sobre o meio ambiente. Ele exerce liderança e incentiva a parceria no cuidado com o meio ambiente, inspirando, informando e capacitando nações e povos a melhorar sua qualidade de vida sem comprometer a das gerações futuras. 



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terça-feira, 22 de outubro de 2024

Ampla participação popular e forte política de proteção à biodiversidade são medidas reivindicadas na COP16



Ampla participação popular e forte política de proteção à biodiversidade são medidas reivindicadas na COP16

 

 

Conferência da ONU para biodiversidade inicia nesta segunda (21), na Colômbia, com participação de organizações brasileiras. Em documento, 154 organizações, movimentos populares, redes e povos tradicionais denunciam e reivindicam medidas de proteção à biodiversidade.

 

Conferência internacional na Colômbia é a mais importante para questões relacionadas a biodiversidade. Foto: Organização Conferência internacional na Colômbia é a mais importante para questões relacionadas a biodiversidade. Foto: Organização

Povos indígenas, quilombolas, povos e comunidades tradicionais, agricultoras e agricultores familiares de todo o país, organizações e movimentos populares vinculados a um amplo espectro dos direitos humanos manifestam, em carta divulgada nesta segunda-feira (21), o urgente enfrentamento a ações em curso no Brasil de impactos à biodiversidade e aos territórios tradicionais, bem como a necessidade de adoção de medidas de proteção à biodiversidade.   

Assinado por 154 organizações, coletivos e redes, a carta torna públicas as recomendações e o posicionamento da sociedade brasileira para a 16ª Conferência das Nações Unidas sobre Biodiversidade (COP16). Iniciada também na data de hoje, em Cali (Colômbia), a agenda mundial sobre o tema deve reunir até 1º de novembro cerca de representantes dos 200 países signatários da ONU para negociações em torno da conservação, uso sustentável e repartição justa dos benefícios da biodiversidade.  

Metas globais de preservação da biodiversidade, de proteção dos conhecimentos tradicionais, questões sobre clima, sementes crioulas, direitos de agricultoras e agricultores familiares, povos indígenas, comunidades quilombolas e povos e comunidades tradicionais, transgênicos, sequenciamento digital de informações, proteção dos conhecimentos tradicionais são alguns dos temas presentes na agenda. Em meio a disputas e busca de consensos, os países assumem metas que devem ser traduzidos em ações e compromissos na esfera nacional voltadas para a proteção da biodiversidade 

:: Veja aqui a carta aberta de posicionamento da sociedade civil para COP16. 

Esta edição é a primeira desde a assinatura histórica, em 2022, do Marco Global de Biodiversidade de Kunming-Montreal (GBF, na sigla em inglês), na COP15, no Canadá. Neste acordo assinado por 196 países foram estabelecidas 23 metas globais a serem alcançadas até 2023 de conservação das florestas, solos e oceanos e regeneração de todo conjunto de vida na terra. 

Nesta edição, são esperados debates sobre o alinhamento da Estratégia e Plano de Ação Nacional para a Biodiversidade (EPANB) pelos países ao novo Marco Global. De acordo com o Ministério do Meio Ambiente, a atualização das EPANB pelo Brasil não foi finalizada, mas encontra-se em estágio avançado de construção e debate.  A versão brasileira em revisão foi elaborada para o período de 2010 a 2020, publicada em 2017, e tratava das Metas de Aichi, aprovadas na COP-10, no Japão.  

Outra expectativa de definição nesta edição é que se espera que os países concordem em operacionalizar o mecanismo multilateral para a partilha justa e equitativa dos benefícios da Informação de Sequência Digital sobre recursos genéticos, incluindo um fundo global. Com a crescente apropriação de conhecimento de povos e comunidades tradicionais por diferentes sujeitos, a criação de um mecanismo é um modo de assegurar, que povos e comunidade tradicionais que detenham conhecimento tradicional associado à biodiversidade possam usufruir da partilha de benefícios. A utilização dos conhecimentos ancestrais e coletivos para a produção de medicamentos, cosméticos, melhoramento genético, entre outros, geram bilhões de lucros anualmente para empresas, principalmente transnacionais.  

Participação popular 
Além de representações governamentais, a COP da Biodiversidade conta com espaço para participação de povos e comunidades tradicionais, organizações sociais, movimentos populares e pesquisadores. Ainda que não estejam na esfera de tomada de decisão, a presença e incidência política de povos tradicionais na agenda é compreendida como essencial pelas organizações. Espera-se com isso que o debate seja menos centralizado no poder econômico e mais atento à preservação da biodiversidade associada à proteção dos povos indígenas, quilombolas, agricultoras/es familiares, comunidades tradicionais e seus dos territórios. Isto porque, como aponta o coletivo de signatários da Carta, a COP também conta com a presença de empresas, muitas delas responsáveis pela crise climática, contaminação do solo e das águas e extinção de espécies. Como as empresas incidem na agenda internacional em torno de seus objetivos, a COP também se configura como um campo em disputa.   

"A expectativa é que seja uma COP com grande participação popular, o que pode contribuir diretamente para melhores tomadas de decisões que envolvam a garantia dos territórios tradicionais, proteção dos defensores da biodiversidade, políticas e programas de desenvolvimento da agrobiodiversidade e a proteção dos conhecimentos tradicionais," aponta a assessora jurídica da Terra de Direitos e integrante do Grupo de Trabalho Biodiversidade (GTbio) da Articulação Nacional de Agroecologia, Jaqueline Andrade.  

De acordo com Jhonny Martins, da Coordenação Nacional de Articulação das Comunidades Negras Rurais Quilombolas (Conaq) e integrante do GTbio, é fundamental o reconhecimento em agendas como a COP e no desenvolvimento da política pública das realidades e conhecimentos específicos dos diferentes povos. "Para nós quilombolas é importantíssimo garantir representatividade na participação e não ter uma uniformidade de presença dos grupos, é preciso abrir um diálogo sobre o conhecimento dos agrorurales, negras e negros que são detentoras do saber", aponta.  

A reivindicação da participação de povos e comunidades tradicionais, com suas especificidades, se estende para além da participação na Conferência. Conduzido pelo Ministério do Meio Ambiente e Mudança do Clima, os povos indígenas, povos e comunidades tradicionais, agricultoras e agricultores familiares participaram neste ano, pela 1ª vez na história, da atualização da Estratégia e Plano de Ação Nacionais para a Biodiversidade (EPANB). 

A postura do governo federal difere, significativamente, da adotada pela gestão de Jair Bolsonaro (PL) durante a COP15. Na carta da edição da COP16, o grupo de assinantes destaca ao refletir sobre a edição passada que "fomos isolados de qualquer processo de negociação, diálogo e participação".  

Com essa memória recente de construção, mas também de impossibilidade de participação no debate, a expectativa dos povos tradicionais é que a postura e os compromissos assumidos pelo Brasil durante a COP da Colômbia estejam alinhados com as reivindicações e contribuições trazidas pelos povos tradicionais no processo de consulta, realizado este ano, e com a instituição de canais de participação contínua dos povos no desenvolvimento da política de proteção à biodiversidade. "Que seja e esteja garantido o direito de participação, protagonismo e gerência dos povos sobre todo e qualquer assunto que incidam sobre nossas vidas e territórios", sublinha a integrante da Articulação dos Povos Indígenas (Apib) e integrante do GTBio, Cris Pankararu.  

Enfrentamento aos retrocessos  
O conjunto de organizações destaca que, embora a nova gestão federal tenha importantes sinalizações de compromisso com a biodiversidade – como criação do Ministério dos Povos Indígenas – seguem intensas as queimadas em todas as regiões, especialmente no Pantanal, Cerrado e Amazônia, com 12 milhões de hectares queimados neste ano.  

As organizações ainda destacam a liberação de novos registros de agrotóxicos e de sementes transgênicas, inclusive do trigo, o estado de alerta do regime hídrico, a possibilidade de exploração petroleira na foz do Rio Amazonas e as recentes tragédias socioambientais, como a no estado do Rio Grande do Sul, que impactaram mais de 1,5 milhão de pessoas. As organizações brasileiras sublinham ainda como temas de preocupação a privatização de bens comuns, as iniciativas do capitalismo verde e a financeirização da natureza, baseadas na acumulação de capital e expropriação dos povos das florestas, das águas e do campo.  

"O mundo precisa saber o que os empreendimentos estão fazendo com nossos territórios. Se não tem território não tem biodiversidade. O uso de agrotóxicos, as mineradoras, o agronegócio vão invadindo os territórios, expulsando os povos que residem lá em direção às periferias das cidades e ferindo de morte a Mãe Terra, acabando com fontes de rios, matas, contaminando o ar, a água e os alimentos", destaca Elizete Maria da Silva, coordenadora do Movimento das Mulheres Trabalhadoras Rurais do Nordeste.  

Entre as ações defendidas pelos signatários da carta apresentada pelas organizações nesta COP16 estão a declaração, pelo Supremo Tribunal Federal, de inconstitucionalidade de duas leis, a que estabelece a tese do "marco temporal" (nº 14.701/23), e a que promove intensa flexibilização de registro e uso de agrotóxicos (nº 14.785/23), conhecida como "Pacote do Veneno".    

Outra reivindicação presente no documento é a de garantia do direito territorial dos povos tradicionais, com a regularização, titulação e demarcação de territórios indígenas, quilombolas e de povos e comunidades tradicionais como condição para proteção da biodiversidade. Se por um lado são os territórios tradicionais que apresentam os menores índices de desmatamento e preservação socioambiental, de outro as e os defensores de terra e meio ambiente são os que mais têm sofrido violência, como aponta a pesquisa Linha de Frente, desenvolvida pelas organizações Terra de Direitos e Justiça Global. De 1.171 ocorrências de violência contra defensoras/es, 919 (78,5%) foram dirigidas a quem defende terra, território e meio ambiente.  

"A gente quer alimento sadio, água e terra pura, que nos deixem viver nos nossos territórios com qualidade e respeito. É o que pedimos", complementa Elizete. 

 

 

Assessoria de comunicação Terra de Direitos

sexta-feira, 18 de outubro de 2024

Dicas culturais da revista piauí para essa semana


O filme A substância é uma descarga de estímulo sensorial que dura 141 minutos ininterruptos. A diretora francesa Coralie Fargeat, no segundo longa-metragem de sua carreira, agarrou o gênero body horror pelos cabelos e abusou de todas as suas premissas para transformar um conhecido conto feminista num espetáculo visual. 

No filme, Elisabeth Sparkle (Demi Moore) é uma estrela decadente de Hollywood que se mantém na tevê dando aulas de aeróbica. Aos 50 e tantos anos, ela é demitida por ser considerada velha demais. Quem toma a decisão, claro, é um homem de 50 e tantos anos que argumenta estar buscando o frescor da novidade: uma substituta que tenha, no máximo, 30 anos. Escanteada dos holofotes, a atriz decide participar de um experimento pseudocientífico macabro que estimula seu corpo a produzir uma nova versão de si mesma. Sue (Margaret Qualley) nasce das próprias entranhas de Elisabeth: jovem, radiante e ainda mais bonita do que esta jamais foi. Há apenas uma regra: as duas versões precisam trocar de lugar a cada sete dias. Uma só existe enquanto a outra está adormecida. Encantada pelos paparicos da juventude, Sue se rebela e começa a trapacear, drenando a vida do seu Eu original. Essa dinâmica rapidamente ganha contornos de thriller, uma guerra persecutória travada entre essas duas mulheres que se odeiam, ainda que sejam a mesma pessoa. 

A metáfora, aqui, é a daquela voz presente na cabeça de todas as mulheres que se odeiam (e se odeiam porque a sociedade ensina que elas têm que se odiar, especialmente a partir de certa idade). Essa voz existe apenas para sabotar e anular a vida das mulheres, educadas para serem inseguras. Mas Coralie Fargeat não quer saber de metáforas e leva a história ao extremo da literalidade, sem poupar o espectador de nenhum detalhe grotesco dessa autodestruição. Nesse body horror feminista, ela filma cada parte do corpo das personagens com obsessão, evocando uma miríade de sensações, do desejo à repulsa. A maneira como escolhe filmar o corpo de Sue, por exemplo, produz um incômodo particularmente irritante, porque escancara a forma distorcida como se olha para os corpos das mulheres – como se fossem pedaços de carne isolados, desprovidos de humanidade. No quesito visual, porém, é a progressiva degradação corporal de Elisabeth Sparkle que provoca as sensações mais intensas. 

Os vinte minutos finais são puro gore, um absurdo visual à David Cronenberg. É o final catártico que, num primeiro momento, pode parecer absurdo demais – mas que depois não parece tão absurdo assim, levando em conta quão bizarra é a experiência das mulheres numa sociedade patriarcal. No limite, a escolha desse final é um grito desesperado. E jorra sangue na cara de todo mundo.

O gênero da retórica conhecido como diatribe – um discurso crítico de teor demolidor e intensidade elevada – é reabilitado e atualizado nesse mais recente livro de Ariana Harwicz. A escritora argentina radicada na França é autora de cinco romances, todos publicados no Brasil pela Instante. Suas narrativas tratam de temas controversos, como a rejeição à maternidade e o incesto, e construíram a reputação de Harwicz como uma escritora bem-sucedida e destemida (talvez bem-sucedida justamente porque destemida). Aqui, ela nos apresenta a uma coletânea de aforismos e reflexões breves, todas marcadas por certa belicosidade – defesas da arte num mundo cada vez mais vigiado e policialesco. 

Originalmente construído a partir de um convite de seus editores argentinos, o livro aproveita uma coleção de tuítes de Harwicz como ponto de partida. A estranheza do tratamento dado ao livro no original – agregando tuítes expandidos a breves ensaios, uma lista de dicas culturais, e fotos de páginas rabiscadas e sublinhadas – foi em alguma medida preservada na sua adaptação brasileira. A versão da Instante inclui também uma seção ausente da edição argentina, com uma correspondência entre Harwicz e Adan Kovacsics, o tradutor do escritor húngaro Imre Kertész ao espanhol. 

Na cuidadosa tradução brasileira, o tom típico da observação intempestiva, eventualmente tosca e brutal, muito característico de tuítes, é mantido. Mais que em todo o restante do livro, é nesse primeiro trecho, intitulado "A escrita doutrinada", que Harwicz afia as facas, e as lança contra o que sente como platitudes confortáveis do senso comum contemporâneo. César Aira disse numa entrevista da década de 1980 que "nunca usaria a literatura para passar por uma boa pessoa", e Harwicz certamente segue seu exemplo. 

Um dos principais argumentos da autora é que "esta época lê mal porque lê a partir da identidade". Harwicz critica conexões essencialistas entre a identidade e a escrita, e faz um pleito pela complexidade, pela ambivalência. O livro antagoniza, e convida ao antagonismo. "Escrever um romance é a coisa mais próxima de ser advogado do diabo. Advogado do acusado e do inocente ao mesmo tempo. Escrever é um exercício de paranoia extrema em que é preciso enxergar os inimigos de todos os lados e os assassinos disfarçados." 

Muito mais que um exercício caprichoso, Harwicz quer defender sua própria poética e ética. Na parte final do livro, o tom curto e grosso dos tuítes da parte inicial dá lugar a uma elaboração mais alentada, em miniensaios que tratam tanto do racismo e da xenofobia que experimenta no vilarejo francês onde vive há anos quanto de Glenn Gould, Marguerite Duras, Imre Kertész e Joseph Ponthus. São convites para entender essa arte do idiossincrático cuja música ela começou a escutar em meio ao silêncio da biblioteca da Universidade de Buenos Aires.

O livro é sobretudo um manifesto contra a profissionalização do escritor que atende à lógica das redes sociais, ainda que o próprio livro parta de pronunciamentos da autora em uma dessas redes. Tudo bem: "A melhor coisa que poderia acontecer a um artista é assumir suas contradições, sua dupla face, sua dupla moral.[...] Se este livro tem algum sentido, é o de afirmar a necessidade do paradoxo."

"Nunca, em nenhuma imagem de guerra, se viu os algozes celebrando seus crimes." A frase é de Rodney Dixon, especialista em direito internacional e um dos entrevistados de Investigating War Crimes in Gaza (Investigando Crimes de Guerra em Gaza), documentário recente do jornalista Richard Sanders. Lançado em outubro e produzido em conjunto com o canal Al Jazeera, a rede de notícias do Catar, é um dos mais brutais relatos visuais de atrocidades de guerra a que o mundo já teve acesso. À diferença das imagens captadas nas trincheiras da Primeira Guerra Mundial, ou de milhares de judeus enfileirados e despachados em vagões de trens ou vivendo em campos de concentração durante a Segunda Guerra, as imagens aterrorizantes veiculadas por Sanders foram feitas pelos próprios algozes: soldados das Forças de Defesa de Israel, a IDF. 

Durante meses, a unidade de jornalismo investigativo da Al Jazeera coletou, na internet, 2500 imagens postadas pelos soldados, que colocaram o nome e a divisão do exército a que pertenciam nos registros. Os partícipes da barbárie fizeram questão de filmar, fotografar, comemorar, e postar todos os seus atos: explosões de cidades e vilas transformadas em escombros; prisioneiros torturados, arrastados, e humilhados; filas de crianças, adultos, velhos e jovens, feridos ou com dificuldade de locomoção, todos (inclusive os pequeninos) com as mãos para o alto, sob as ordens e armas do IDF, seguindo em procissão para campos de refugiados apontados como seguros, mas que depois seriam bombardeados pelas Forças Israelenses. Os soldados se expõem gargalhando enquanto assistem seus escudos humanos nus e ensanguentados entrando nos prédios que eles tentam invadir; se cumprimentam depois de explodirem escolas, hospitais, universidades e mesquitas. Em outras cenas, praticam tiro ao alvo em jornalistas, médicos, paramédicos, crianças, mulheres, funcionários de agências humanitárias. Uma cena particularmente perturbadora mostra o estupro coletivo de um preso. 

As cenas são acompanhadas dos comentários de especialistas militares, de direitos humanos e de juristas internacionais que explicam por que, por trás de cada cena, há um crime de guerra. Trata-se de uma contribuição inédita do Exército de Israel para estudos históricos, além de também, segundo Dixon, servir como prova de crime de guerra no Tribunal Penal Internacional.

Sanders intercala essas cenas a declarações de líderes mundiais, como o presidente americano, Joe Biden, e o ex-primeiro-ministro britânico Rishi Sunak, que, mesmo após esses horrores, afirmam que "não deixarão Israel sozinho", como se os massacrados fossem os israelenses e não a população de Gaza. Há também declarações de Yoav Gallant, ministro da Defesa de Israel, que chama os palestinos de animais, afirmando que seriam tolhidos de água, luz e comida, bem como as afirmações de Benjamin Netanyahu de que acabaria com a Faixa de Gaza, depois dos ataques do Hamas a Israel em 7 de outubro do ano passado.

Mas o maior choque do documentário, talvez, seja ver o apoio de boa parte da população israelense ao genocídio. Embora Israel tenha proibido a imprensa local e internacional de entrar em Gaza para registrar a guerra, o público é informado, em tempo real, sobre o que está acontecendo no território vizinho, através das postagens dos soldados em suas redes sociais. Para parte da população, a dor dos palestinos não é motivo de revolta e, sim, de contentamento. Nas boates da capital israelense, a música mais tocada pelos DJs é May your village burn ("Que sua vila queime")", acompanhada pelo público que canta e dança animadamente.

O filme de Sanders provavelmente não ganhará o Oscar de melhor documentário, como o ucraniano 20 dias em Mariupol, laureado em 2023, sobre o cerco russo àquela cidade (Hollywood não é simpático à causa palestina). Mas é um dos maiores registros sobre a maldade humana. Há um aforismo atribuído a Hannah Arendt, uma das mais celebradas intelectuais judias, que, depois dos massacres da Segunda Guerra, teria dito: "A morte da empatia humana é um dos primeiros e mais reveladores sinais de uma cultura a ponto de cair na barbárie." O documentário está disponível no YouTube, com legendas em português.

Inspirado pela obra do autor francês Édouard Louis – cujos livros recontam sua difícil trajetória como um menino gay criado numa família pobre do interior da França – , o repórter Thallys Braga publica, na edição de outubro da piauí, um tocante relato sobre sua própria experiência. Nascido e criado no bairro de Inhoaíba, em Campo Grande, no Rio de Janeiro, filho de um pai que morreu cedo por causa do vício em drogas e de uma mãe que passou a vida em trabalhos precários, Braga também sempre soube desde cedo que era gay. Como Louis, enxergou na aspiração intelectual uma forma de evadir a homofobia do seu meio. A travessia a outra classe social, porém, também tem seus percalços e suas próprias formas de violência. Ora analisando a obra, ora traçando paralelismos com a vida de Louis, Braga encontra nos escritos autobiográficos do autor francês uma chave para tentar decifrar sua própria identidade e sua própria trajetória.

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