"Quando a situação se deteriora a ponto de ficar insustentável, é a organização que permanece no terreno, salvando vidas," afirma a coordenadora-residente da ONU no Brasil, Silvia Rucks, em artigo publicado em 24 de outubro em O Globo, em razão do aniversário de 79 anos da ONU.
Por Silvia Rucks*, em artigo publicado em O Globo 24 de outubro de 2024.
A Organização das Nações Unidas ainda serve para alguma coisa? Hoje a ONU completa 79 anos e, à medida que nos aproximamos do 80º aniversário de fundação da organização, que reúne 193 países, esse questionamento torna-se cada vez mais frequente.
E, devo admitir, é uma pergunta pertinente. Podemos testemunhar quase diariamente o agravamento da crise climática, que causa pânico e calamidade por todo o mundo — com impacto desproporcional na população que já vive em contextos de maior vulnerabilidade.
Assistimos assustados à escalada de conflitos, que destroem cidades inteiras, ceifam vidas, desrespeitam os princípios mais básicos de humanidade e parecem não ter fim. A população de deslocados só aumenta, e o acesso a uma vida digna fica mais distante da realidade de parcela expressiva da população global, especialmente os 733 milhões que convivem com a fome.
Enquanto isso, vemos patinar a implementação dos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável, traçados e adotados pelos Estados-membros da ONU justamente para que o mundo se encaminhasse a um futuro mais próspero e igualitário. Em meio a esse cenário tão desolador, as pessoas querem saber: o que a ONU faz para consertar o mundo?
Quando a situação se deteriora a ponto de ficar insustentável, é a ONU que permanece no terreno, salvando vidas. Só no ano passado, provemos ajuda humanitária a 245 milhões de pessoas — mais que as populações de Brasil, Chile, Paraguai e Uruguai combinadas — e, para isso, mobilizamos US$ 23 bilhões. Fornecemos serviços de saúde a 15 milhões fugindo da guerra, da fome e da perseguição em 77 países. Apoiamos a segurança alimentar e o acesso a alimentos de 152 milhões. Vacinamos 133 milhões de crianças. Restauramos e protegemos 178 milhões de hectares em 56 países.
Trabalhamos em todas as áreas humanitárias e de desenvolvimento. Apoiamos a igualdade de gênero, o fortalecimento das economias e o acesso a emprego e renda. Garantimos água e saneamento a milhões de pessoas, defendemos os direitos humanos e trabalhamos com todos os países para enfrentarmos a crise climática. A questão não é o que fazemos, porque sabemos que fazemos muito. A questão é o que ainda podemos e devemos realizar para que o mundo volte a vislumbrar um futuro de esperança.
É hora de repensar a ONU, e estamos dispostos a ter essa conversa, pois acreditamos que um sistema multilateral reformulado e revigorado é fundamental para que possamos enfrentar os grandes problemas de nosso tempo.
No mês passado, na Cúpula do Futuro, os Estados-membros aprovaram o compromisso mais firme em décadas para adequar a ONU a esses desafios.
Esse novo Pacto para o Futuro estabelece uma visão clara de um sistema internacional que pode cumprir suas promessas, é mais representativo do mundo atual e aproveita a experiência dos governos, das empresas e da sociedade civil. Além do aprimoramento da governança global, o pacto abrange uma ampla gama de questões, inclusive ações inéditas na área da transformação digital e inteligência artificial, reafirmando o papel de moderação da ONU, que nenhum outro ator tem a mesma capacidade de exercer.
Para que esse pacto faça a transição de palavras bonitas para ações efetivas na vida real, necessitamos dos nossos Estados-membros. São os países que devem liderá-la, são eles que precisam implementar o que foi acordado na Cúpula do Futuro, a exemplo do que o Brasil tem feito desde a fundação da ONU em 1945 até a COP30 no ano que vem, passando por Rio 92, Rio+20 e os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável.
Nosso secretário-geral, António Guterres, já deixou claro que a ONU está pronta para desbravar esse novo caminho, trabalhando lado a lado com os países, porque a ONU é tão boa quanto seus Estados-membros.
*Silvia Rucks é Coordenadora Residente da ONU no Brasil.
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