No lançamento do livro “Brasil: Cinco anos de golpe e destruição”, na tarde desta terça-feira, o ex-presidente Lula afirmou que o golpe contra Dilma Rousseff, consumado em 31 de agosto de 2016, foi motivado pelo desejo de parte da elite brasileira de interromper o ciclo de superação das desigualdades sociais iniciado nos governos do PT. E, numa mistura de desabafo e esperança, concluiu seu discurso com uma previsão: “Nossa vingança será mais educação, mais saúde, mais emprego, mais salários, mais cultura, mais direitos para o povo brasileiro”.
O livro, editado pela Fundação Perseu Abramo, marca o aniversário do golpe e faz um inventário do desmonte das políticas públicas e sociais que vem acontecendo desde que Michel Temer assumiu a Presidência, após um processo de impeachment inconstitucional – ilegalidade reiterada por diversos juristas e analistas no Brasil e no exterior – e que desembocou na chegada de Bolsonaro ao poder. O lançamento foi realizado no auditório do Sindicato dos Metalúrgicos do ABC, em São Bernardo.
A ex-presidenta, cujo discurso foi antecedido por falas de ex-ministros e ministras de seu governo e de outras lideranças do PT, lembrou que havia afirmado, no dia de seu afastamento, que o golpe não era apenas contra ela e o partido, mas contra o povo e o processo de superação de desigualdades sociais e de busca por maior soberania nacional. Porém, disse Dilma, o desenrolar do golpe acabaria por superar suas piores expectativas.
Dilma, Lula, Mercadante e Sandra Brandão, organizadora do livro
“Naquele momento eu não imaginava que haveria em seguida uma aliança entre a pauta liberal e a pauta neofascista. O neofascismo tem uma pauta sólida, baseada na escravidão, que entende o povo como algo coisificado”, disse, em referência à posterior eleição de Bolsonaro.
Em sua análise, Dilma destacou que o golpe tinha como um de seus objetivos desconstruir as condições políticas que levaram o PT ao poder. “Eles não conseguiriam ganhar no voto, então tratava-se logo de impedir a quinta eleição. A razão é que o algo genérico que há contra nós é que somos aqueles que impediam a adoção da agenda neoliberal. Lula usou os mecanismos que um governo tem para gerar uma agenda de desenvolvimento com inclusão social. Não nos encaixamos na unipolarização representada pelos Estados Unidos. E enquadrarmo-nos significava acabar com as políticas sociais”, afirmou.
Para a ex-presidenta, esse processo de enquadramento do Brasil teve sua primeira e mais simbólica representação no projeto chamado Ponte para o Futuro, apresentado pelo então PMDB de Temer, especialmente na proposta do teto de gastos, aprovada depois em emenda constitucional. “Eles constitucionalizaram a gestão neoliberal de tal forma que você está amarrado a ela. Não significa só tirar dinheiro, mas fundamentalmente mudar os limites de gestão do orçamento. Tentam impedir que a alternância de poder possa levar a uma gestão autônoma e independente, é isso que a emenda do teto dos gastos faz. Por isso foi a primeira a ser realizada pós-impeachment”.
Dilma: união dos liberais com neofascistas é consequência trágica do golpe
Aloizio Mercadante, presidente da Fundação Perseu Abramo e ex-ministro da Casa Civil e da Educação no governo Dilma, sentenciou: “Há cinco anos, o Brasil descarrilou, saiu dos trilhos da democracia, da soberania, do desenvolvimento com redução da pobreza e da desigualdade”. Segundo ele, os retrocessos são resultado de “uma gigantesca fraude jurídica e política, pois não havia crime de responsabilidade imputável à presidenta, como determina a Constituição”.
A presidente do PT, deputada federal Gleisi Hoffmann, que era senadora à época do golpe, afirmou que não havia acúmulo de forças políticas para impedir o impeachment, e, portanto, o papel do PT e aliados foi denunciar o processo como farsa e golpe. “E hoje todo mundo sabe que aquilo não foi um impeachment. Depois não deixaram Lula participar da eleição, e ainda assim o Haddad teve 47 milhões de votos, mostrando o enraizamento que temos na luta popular”, lembrou. O momento agora, na avaliação de Gleisi, é mobilizar as forças populares e igualmente construir diálogos com outras forças políticas para enfrentar os ataques à democracia.
Lideranças partidárias e de movimentos sociais no lançamento
Para Fernando Haddad, ex-candidato à Presidência em 2018, o próximo ano pode representar a superação do golpe. E mais que isso: “Quem sabe, presidenta, esse sofrimento todo não seja apenas um momento de profunda reflexão em que assimilemos todos os desmandos que afligiram o Brasil por 500 anos e tenhamos no bicentenário da Independência nossa verdadeira alforria. 2022 está aí. Quem sabe não sabe chegou a hora de dar o verdadeiro grito de liberdade no Brasil”, afirmou, dirigindo-se a Dilma. “Vamos vencer e vamos te homenagear, presidenta”.
Essa foi a tônica do encontro: o retorno do PT e das forças populares. No palco, um grande painel estampava a frase “Resistimos e Voltaremos”, inspirada em discurso proferido por Dilma naquele 31 de agosto que marcou o início do golpe. Como ela mesma afirmou em seu discurso na tarde desta terça, seu afastamento não representou a consumação do golpe, mas o início de um processo que se prolonga até hoje.
O lançamento do livro editado pela Fundação Perseu Abramo foi marcado também por duras críticas de Lula à mídia. “Quem mais fez mais fake news contra mim? Foi o Bolsonaro ou a mídia? Eu fui transformado no maior bandido da história deste país e ninguém pede desculpas. Se a gente não se defende, se a gente não conta a nossa verdade, o que prevalece é a versão deles”, disse o ex-presidente.