terça-feira, 2 de maio de 2023

Notificação de vagas na BRF Ponta Grossa - 1º de maio de 2023

Dicas culturais da revista piauí para essa semana



Uma história de amor candente e fatal: assim pode ser descrito Fire of Love, título original do documentário sobre um casal de vulcanólogos franceses dirigido pela norte-americana Sara Dosa. O filme acompanha a trajetória de Katia e Maurice Krafft, que viveram até o limite uma vida dedicada a investigar as entranhas da Terra e a forma como algo dela chega à superfície na forma de lava. Não é spoiler dizer que os protagonistas morrem em plena ação: o filme começa pela morte do casal enquanto monitorava a erupção do Monte Unzen, no Japão, em junho de 1991.

Antes disso, porém, os vulcanólogos visitaram dezenas de vulcões em plena atividade, às vezes chegando a poucos metros da erupção. Como estavam sempre equipados para fazer medições e registrar suas presenças em áudio e vídeo, deixaram centenas de horas de filmagens de extrema beleza plástica – imagens que Dosa pôde utilizar para contar a trajetória do casal.

Quando estudavam uma erupção de perto, os Krafft iam a campo protegidos por equipamentos de segurança que incluíam um capacete metálico com uma abertura apenas para os olhos que os cobria até além dos ombros. As cenas dos cientistas vestidos com suas armaduras desajeitadas diante da lava incandescente dão ao filme um ar feérico, acentuado pela voz e cadência delicada da cineasta, atriz e escritora Miranda July, que foi convidada para narrar o filme. O resultado é um documentário fascinante que se interessa igualmente pelos vínculos que os Krafft criaram entre si e com seu objeto de estudo, um filme que ensina tanto sobre a tipologia dos vulcões quanto sobre as paixões que movem os humanos.

Quem gostar do documentário provavelmente se interessará também por Visita ao Inferno, documentário sobre vulcões do cineasta alemão Werner Herzog, lançado em 2016 e disponível na Netflix.

"Escrever é muito perigoso." A frase que dá título à coletânea de ensaios e conferências da escritora polonesa Olga Tokarczuk, vencedora do Prêmio Nobel de Literatura de 2018, resume bem o que vamos encontrar na leitura. Na contramão do lugar-comum de que a escrita é uma atividade libertadora, a dedicação à literatura é retratada nesses ensaios como uma forma de servidão: "Alguma vez já pensaram que a fonte da criação literária pode ser o fato de que algo quer ser escrito?", a autora questiona. Para Tokarczuk, a escrita ficcional é uma atividade demoníaca.

A ideia de que um daimonion dita histórias ao pé do ouvido de quem escreve é bastante conhecida. E Tokarczuk não se acanha ao recorrer a esse mito – que está na base das noções antiga e moderna de gênio – para intervir no debate sobre os rumos da ficção atual. Em "O narrador sensível", seu belo discurso do Nobel (e também o texto que encerra a antologia), Tokarczuk sugere que a recente proliferação de obras autobiográficas, que ela ironicamente chama de "narrações do tipo 'vou contar a minha história para você'", tem como efeito colateral o achatamento da imaginação. "Isso que você escreveu é verdade?", os leitores não se cansam de perguntar, fazendo coro às vozes que "lutam por atenção" e terminam "por abafar umas às outras" com o seu samba de uma nota só: eu, eu, eu.

Quando deixam de alimentar seus demônios criativos e consideram que narrar as próprias vidas é intrinsecamente interessante, os escritores se esquecem da árdua tarefa de esquecer a si mesmos: "Entrar profundamente na vida de outro ser, entender suas razões, partilhar seus sentimentos, viver sua história." Para Tokarczuk, o nutriente mais valioso da ficção é a diferença. E esse "outro significativo" não deve se restringir ao humano. "Máscaras dos animais", um dos ensaios mais provocativos do livro, parte dessa ideia.

A primeira frase é impactante: "Para mim, é mais fácil suportar o sofrimento de um ser humano que o sofrimento de um animal." Segundo a autora, isso acontece porque dispomos de ferramentas mentais como a cultura e a religião, capazes de atenuar nossa dor, enquanto "o sofrimento do animal é absoluto, total". Como ela sabe disso? Como chega a essa conclusão? Especulando, fabulando. Em outras palavras, interrogando seus próprios demônios.

Tudo É Grande Demais para a Pobre Medida da Nossa Pele, livro do escritor pernambucano Bernardo Brayner, é uma ficção em forma de almanaque que se inspira em obras como O Livro dos Seres Imaginários de Jorge Luis Borges, A Literatura Nazista na América, de Roberto Bolaño, e, mais recentemente, Pequena Enciclopédia de Seres Comuns, de Maria Esther Maciel. A diferença é que, no lugar de curtas biografias ou do inventário de plantas, animais exóticos e seres míticos, estamos diante de uma inventiva biblioteca de obras jamais escritas.

Para trazer esses livros à realidade concreta, ao mundo que conhecemos, o autor inventa o personagem Julian Cardoni, um crítico colombiano de quem Brayner seria uma espécie de amanuense. Além de compilar "clássicos invisíveis" da história da literatura, Cardoni assina o "prefácio curtíssimo" e o posfácio nada esclarecedor dessa antologia de resenhas breves. Tudo É Grande Demais para a Pobre Medida da Nossa Pele também conta com fotografias, entrevistas, trechos lapidares e capas das obras: um sistema literário em miniatura.

Alguns dos livros imaginados pelo autor têm premissas assombrosas: um Deus amputado que cria o mundo à sua imagem e semelhança, um cocheiro conduzindo uma "carruagem puxada por um bezerro, um porco, um cachorro e um homem nu". Outros nos fazem rir às gargalhadas, como o romance distópico em que escritores mortos voltam a circular como zumbis, naturalmente tendo outros escritores como alvos: Nabokov "teria destroçado a dentadas o pescoço do morto-vivo que outrora fora Dostoiévski", enquanto Poe "tremia como se sofresse de febre". Dos grandes nomes do cânone ocidental, só Kafka prefere não se levantar da tumba, se limitando a piscar os olhos timidamente.

Os livros que nascem da fértil imaginação de Brayner são muito diferentes entre si, tanto no tema como no estilo. Mas há um traço que os une. Para os escritores que povoam esse universo feito só de palavras, a literatura é o que existe de mais importante, a única realidade possível – e por esse motivo ela é apenas uma outra palavra para denominar o que nos habituamos a chamar de "vida".

Confira o portfólio da pintora ucraniana Maria Oksentiiva Prymachenko, publicado na piauí em abril de 2022. Prymachenko foi a maior representante da arte naïf em seu país e sempre buscou, através de cores vivas em seus quadros, manifestar seu pacifismo. "Maria Prymachenko nunca foi indiferente aos acontecimentos do seu tempo. Ela sempre fez questão de expor seu antagonismo visceral à guerra, qualquer guerra, fazendo uso, apesar da crueza do tema, de cores vivas, vivíssimas", escreve Anastasiia Prymachenko, bisneta da pintora, no texto de apresentação do portfólio.

Pintura de Maria Oksentiiva Prymachenko_1988

Eu, Você, Um Fantasma, texto publicado na edição de abril da piauí, é um conjunto de trechos do livro Formas Feitas no Escuro (Fósforo), da escritora Leda Cartum. Os trechos não compõem uma narrativa linear, transitando entre a prosa e a poesia. Um náufrago chega a uma ilha desconhecida e se abriga no interior de uma caverna; um personagem indefinido ("você") levanta no meio da noite e assusta os outros habitantes da casa, que saem à rua, como "pombas enlutadas", a procurá-lo. Cheio de imagens sugestivas, que misturam o tédio doméstico a paisagens exteriores ("Da curva da estrada do quarto veio um vulto diferente de uma terra distante"), esses minicontos – ou poemas em prosa - têm em comum a lógica onírica, o mistério de sonhos que parecemos sempre prestes a decifrar, como o homem que "tentava se lembrar de uma palavra que tinha esquecido", vasculhando os cantos mais escuros de sua memória.

Ilustração de Bárbara Quintino

revistapiaui.com.br

segunda-feira, 17 de abril de 2023

Bolsonaristas tentam usar comissões da Câmara para reavivar fantasmas e constranger ministros


terça-feira, 11 de abril de 2023

Justiça Federal determina que Incra e União titulem a totalidade do território quilombola Paiol de Telha

Ação movida pela Comunidade destaca o ônus às famílias pela morosidade do Estado em regularizar o território tradicional.

A 11ª Vara Federal da Justiça Federal sentenciou a União e o Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra) a regularizarem a totalidade do território tradicional quilombola da Comunidade Invernada Paiol de Telha (PR). Em decisão proferida na última sexta-feira (31) a juíza Silvia Brollo determinou que Incra e União adotem medidas para viabilizar a titulação de toda a área reconhecida pelo Estado como de direito da comunidade tradicional. A sentença cabe recursos. 

A decisão ocorre no âmbito da Ação Civil Pública (ACP) movida, em 2018, pela Comunidade contra a União e a autarquia para exigir a titulação do território quilombola localizado na cidade de Reserva do Iguaçu, no Centro-sul do Paraná. A ação também exige o pagamento de indenização para a Comunidade por danos morais coletivos, pela demora na titulação da área. O acionamento da justiça foi a alternativa encontrada por Paiol de Telha diante do esgotamento de recursos no diálogo com o Executivo – instância responsável pela regularização fundiária quilombola - e lentidão no avanço do processo de regularização fundiária. O processo foi iniciado na autarquia em 2005, no entanto, as famílias lutam pelo território há mais de 50 anos.  

Na decisão da última sexta-feira a juíza confirmou a liminar já dada pela juíza em março de 2019 em que determinava a titulação imediata de área já adquirido pela autarquia, correspondente a 225 hectares. A União e o Incra entraram com recursos contra a decisão liminar, mas os recursos foram rejeitados pelo Tribunal Regional Federal da 4ª Região (TRF4), em setembro daquele ano. 

Foi apenas com o ajuizamento da Ação Civil Pública que a Comunidade Paiol de Telha obteve, em maio de 2019, o título da pequena área. Isto porque o recurso para aquisição da área de pouco mais de duzentos hectares estava disponível para o Incra deste 2016, mas estava parado. Com isso, Paiol de Telha foi a primeira – e ainda única – comunidade quilombola do Paraná a obter o título do território tradicional. Como trata-se de um título parcial, ou seja, não corresponde pela totalidade da área reconhecida como de direito da comunidade, as famílias seguem em reivindicação. 

Para fins legais a sentença da juíza Silvia Brollo deste 31 de março reforça os compromissos do Estado brasileiro em assegurar o direito coletivo de posse do território tradicional às famílias quilombolas.  "Essa sentença aponta para a estabilidade da ocupação quilombola tradicional em seu território, transmite segurança jurídica à comunidade que não precisa mais temer despejos repentinos em relação as áreas parcialmente tituladas, mas ainda há um longo percurso jurídico e político para garantir a titulação integral do território", destaca a assessoria jurídica da Terra, Kathleen Tie. A organização assessora a Comunidade nos processos de luta pelos direitos territoriais. 

Além da área de 225 hectares, em junho de 2021 o Incra obteve a imissão na posse das demais áreas compreendidas pelo Decreto, totalizando então os 1.460 hectares. Ainda que não seja propriamente a titulação da área, a imissão antecipa os efeitos de titulação até que a efetiva titulação aconteça, permitindo às famílias o exercício da posse tradicional quilombola sobre essas áreas. Isto porque, como medida liminar, possibilita que a autarquia federal transfira a posse das matrículas para a associação quilombola que responde pela comunidade. 

Outro aspecto central comemorado pela Comunidade é que a sentença determina que a União e o Incra "viabilizem a titulação definitiva da integralidade do território da Comunidade quilombola Paiol de Telha". Isto porque o Incra reconheceu, por meio de uma portaria publicada em outubro de 2014, que a Comunidade tem por direito uma extensão territorial de 2.959 hectares. No entanto, o decreto de desapropriação emitido em junho de 2015, determina a aquisição de parte da área que atualmente está em posse da Cooperativa Agrária Agroindustrial Entre Rios de 1.460 hectares, metade do território da comunidade quilombola Invernada Paiol de Telha. Para que a Comunidade tenha o título coletivo da outra metade é necessário que o Estado brasileiro emita novo decreto da área não compreendida no decreto de 2015.  

"As matrículas de imóveis objetos do Decreto são apenas metade do território quilombola da comunidade Invernada Paiol de Telha, sendo que a outra metade, também contemplada no RTID publicado e na portaria de reconhecimento, não abrangida no decreto, segue sem qualquer resposta da União e do INCRA. Esta situação não pode perdurar", aponta um trecho da decisão. 

Para a integrante da Comunidade e também da Coordenação Nacional de Articulação das Comunidades Negras Rurais Quilombolas (Conaq), Ana Maria da Cruz, "não há como contestar que a outra parte não é da Comunidade, porque isso já foi reconhecido pelo próprio estado brasileiro", aponta ela, em referência à Portaria de Reconhecimento publicada em 2014.  

Ana Maria destaca que ausência do título da totalidade da área expõe, com intensidade, uma parte significativa das cerca de 300 famílias da Comunidade às condições de miséria. Isso porque, sem o título, há insegurança sobre a permanência na área e a impossibilidade da entrada do Estado na oferta de serviços essenciais, como oferta de luz e saneamento básico. "Temos famílias que ainda vivem situação de miséria. Chegaram no território, mas sem condições alguma de construir uma moradia digna, sem acesso à água e energia elétrica – o mínimo que as pessoas precisam. E há também o medo permanente, de anoitecer e amanhã ter uma ordem de despejo", destaca.  

Orçamento

Os argumentos apresentados pela União e Incra na Ação de ausência de recursos também foi contestada pela juíza. "É de conhecimento deste juízo que o orçamento da União é limitado, possui destinações certas. Mas a questão aqui tratada não é meramente orçamentária, mas de respeito a direitos constitucionalmente previstos, há muito tempo, direitos de moradia e de dignidade da pessoa humana. O direito dos descendentes de quilombolas a terras remanescentes está garantido desde 1988, e até então eles não têm a almejada efetividade da norma", aponta outro trecho. Na sentença a juíza ainda relata que União e Incra não comprovaram no âmbito da ação, como havia sido solicitado, que não dispõem de condições financeiras para desapropriação de mais áreas para fins de titulação para a Comunidade Paiol de Telha.  

O argumento de paralisação do processo de titulação como resultado do contingenciamento dos recursos públicos - base de sustentação do recurso ajuizado pelo Incra – já tinha sido contestado no julgamento pelo TRF4, em 2019. Na ocasião o desembargador Rogério Fravreto e do procurador regional da República, Paulo Gilberto Leivas, enfatizaram que o argumento não se sustenta, tendo em vista que demais áreas têm sido privilegiadas pelo Estado brasileiro e a efetivação dos direitos não deve ser condicionada a decisão política dos gestores públicos sobre direcionamento do recurso. 

"A restrição orçamentária é realidade há muito tempo em território nacional atingido as diferentes esferas. Contudo, tal fundamento é usado como escusas para implementação de políticas públicas. Porém, aos discursos de restrição orçamentária não são poucas as notícias de destinação de verbas para implementação de projetos envolvendo vultuosos quantias beneficiando outros setores da sociedade", destaca o desembargador durante manifestação do seu voto. 

A ausência de priorização de recurso para a regularização fundiária quilombola é evidenciada na exclusão das comunidades no Plano Plurianual (PPA) 2020-2023, planejamento de destinação do recurso para o quadriênio. De acordo com levantamento realizado pelo Instituto de Estudos Socioeconômicos (Inesc) a execução financeira para titulação quilombola foi quase reduzida a zero entre os anos de 2019 à 2021.  

Danos morais  
Na decisão a juíza acolheu parcialmente o pedido feito pela Comunidade de indenização para a por danos morais coletivos em razão da lentidão na titulação da área. "Pode-se concluir, destes depoimentos, que: o processo do INCRA é realmente extenso e complexo; os quilombolas não têm vida digna e nos termos em que previsto no art. 68 do ADCT, da forma como estão agora, vivendo na pequena área até então titulada", aponta um trecho da decisão.  

"De fato, o procedimento administrativo da comunidade em questão, não está totalmente parado. Ele tem andamento. Mas este andamento é bastante lento e teve início em 2005. Os prejuízos aos quilombolas são evidentes, como já restou demonstrado na oitiva de testemunhas e no estudo antropológico", reconhece a magistrada. Ainda que no pedido inicial a Comunidade tenha reivindicado a indenização em favor da associação, na sentença a juíza determina que o valor seja destinado ao Fundo de Defesa dos Direitos Difusos. 

 

 Via Assessoria de comunicação Terra de Direitos